Cientistas brasileiros salvam a produção de uva na Serra Gaúcha
O trabalho de recuperação das áreas para o cultivo da videira foi liderado por pesquisadores da Embrapa Uva e Vinho (RS)
Áreas que sofreram declínio e morte de plantas de videiras na Serra Gaúcha estão voltando a produzir graças ao trabalho da ciência. Para isso, pesquisadores organizaram e validaram um conjunto de recomendações técnicas que permitem o replantio de vinhedos nessas pequenas propriedades familiares que fazem parte da mais tradicional região produtora de uvas e vinhos do Brasil. O resultado foi um programa de manejo dividido em quatro eixos básicos: manejo do solo, adubação, mudas de qualidade e controle de insetos-pragas e doenças.
O trabalho de recuperação das áreas para o cultivo da videira foi liderado por pesquisadores da Embrapa Uva e Vinho (RS) e contou com a participação de produtores, técnicos e especialistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a empresa de extensão rural do estado, a Emater/RS-Ascar.
Essas porções de terra com morte de videiras, presentes nas encostas desenhadas pelos vinhedos, além de ficarem evidentes na paisagem, passaram a ser um sério problema para os produtores de uva. Na região, que é constituída essencialmente por pequenas propriedades familiares de até 24 hectares (uma colônia), as áreas para cultivo são restritas pelo tamanho, limitações geográficas, principalmente topografia, e de legislação, como as definidas pelo Código Florestal, que impedem a abertura de novas áreas para o cultivo de videiras.
Mesmo utilizando os aprendizados que foram passados ao longo das gerações, os agricultores não estavam obtendo sucesso nas tentativas de replantio: as plantas simplesmente não se desenvolviam. Com esse cenário, a Embrapa liderou uma força-tarefa na execução do projeto Tecnologias para a viabilização e sustentabilidade dos vinhedos em áreas de renovação na Região Sul do Brasil.
Unidades demonstrativas
Cada propriedade abrigou uma unidade demonstrativa do tamanho de um hectare que recebeu as técnicas recomendadas. Os resultados foram tão promissores que essas áreas estão aumentando a cada dia. Todos os cinco produtores participantes já ampliaram a área a técnica em 200% e somente a Cooperativa Vinícola Garibaldi estima que 100 hectares dos seus cooperados já estão com essa metodologia no campo.
Segundo o líder do projeto, Lucas Garrido, pesquisador da área de Fitopatologia da Embrapa, o melhor resultado não foi a recuperação das áreas em si, mas o trabalho realizado pela equipe de pesquisadores, que formou multiplicadores no repasse de informações e técnicas corretas. “O cultivo da videira é uma questão cultural, passada de geração em geração, e com esse projeto tivemos a oportunidade de mostrar e construir em conjunto com os técnicos e produtores a possibilidade de uma nova realidade, contornando problemas e garantindo a renovação dos parreirais”, conta.
Um bom exemplo dessa mudança foi demostrar aos produtores os benefícios da utilização de mudas de videira enxertadas com controle de qualidade, o que evita muitos problemas transmitidos pelo tradicional repasse dos galhos da videira, entre os produtores, para formar novos vinhedos. “O emprego de mudas de qualidade, com um padrão morfológico e sanitário estabelecido, o preparo do solo e o correto plantio formam um investimento que trará muitos dividendos a longo prazo”, defende o coordenador do Programa de Mudas de Qualidade, Daniel Grohs, que é engenheiro agrônomo da Embrapa.
“Depois de ver os resultados do projeto, eu estou seguindo o tratamento do plantio nas novas áreas que estou renovando e noto grande diferença no parreiral”, avalia Vinicius Dal Oglio, de Bento Gonçalves, um dos produtores em cuja propriedade as recomendações técnicas foram validadas.
A base do sucesso
As soluções tecnológicas para renovação de vinhedos em áreas de declínio foram propostas a partir dos resultados obtidos com a instalação de cinco unidades demonstrativas nas propriedades de viticultores nos municípios de Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha e Garibaldi, todos na Serra Gaúcha. Esses produtores, associados às cooperativas Vinícola Garibaldi, Agroindustrial Nova Aliança e Vinícola Aurora, colocaram suas propriedades à disposição da equipe para servir como área experimental.
Para isso, receberam 600 mudas de qualidade de cultivares como BRS Cora, Isabel, Bordô ou Tannat. As cultivares foram escolhidas pelos agricultores de acordo com o objetivo da produção. Além das mudas, cada produtor recebeu os insumos recomendados pela equipe de pesquisa para contribuir com o controle de patógenos do solo, além do acompanhamento da evolução do parreiral com visitas regulares da equipe de especialistas.
Após três anos, as propriedades foram transformadas em uma vitrine tecnológica, onde foram realizadas capacitações de técnicos e agricultores ao longo do projeto. “Nada melhor do que conferir na prática como foi a experiência e ouvir do próprio viticultor os resultados do sucesso da tecnologia”, destaca Garrido.
Evandro Bosa é gerente da Cooperativa Vinícola Garibaldi e tem como tarefa orientar 410 viticultores na Serra Gaúcha. Ele foi um dos técnicos parceiros do projeto e esteve presente durante toda a validação das recomendações da pesquisa. Na sua avaliação, os resultados foram tão positivos que, já durante a execução, muitas informações foram sendo repassadas para outros produtores. “Pelo menos 250 famílias associadas à cooperativa já estão colocando em prática as recomendações, cujos resultados nos novos vinhedos são fantásticos”, avalia. Além das mudas, a cooperativa também adquire e repassa aos seus associados os insumos recomendados pela Embrapa.
Assista aqui a vídeo sobre o processo: