“Não podemos deixar que manchem a imagem do agro brasileiro como irresponsável, predatório e antiambiental”

“Não podemos deixar que manchem a imagem do agro brasileiro como irresponsável, predatório e antiambiental”

Entrevista com Alceu Moreira, deputado federal (MDB-RS) e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA)

Nas próximas semanas entra em votação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2633/20, que dará início à regularização de terras por todo o País, especialmente da Amazônia. “O projeto já é consenso para a maioria. É só por em votação que estará aprovado na Câmara”, diz Alceu Moreira da Silva, 66 anos, deputado federal (MDB-RS) e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Natural do município de Osório (RS), Moreira é o entrevistado do AgroSaber em mais uma edição de as Páginas Verdes. Ele apresenta a partir de agora os esforços políticos para manter o agro brasileiro de pé e sustentável, garantindo o desenvolvimento do setor que está sustentando os números da economia brasileira.

AgroSaber – Qual a sua expectativa para a votação do PL 2633/20? Acredita que será aprovado?

Alceu Moreira – Na Câmara dos Deputados, sim. Isso porque o PL já tem o consenso da maioria. Então, é só ser colocado em votação que será aprovado. A votação foi prejudicada por inúmeros discursos equivocados que estaríamos trabalhando a favor de uma legislação que beneficia grileiros. O que que é grileiro? Grileiro é o cidadão que ocupa uma terra para vendê-la. O cidadão que planta e colhe no mesmo solo há mais de 10 anos não pode ser tachado de grileiro. Esse cidadão não é grileiro. Ele tem uma vida comunitária e com responsabilidades sobre a posse da propriedade. A única coisa que eles não têm hoje é seu título da terra e isso traz prejuízos principalmente na questão ambiental.

AgroSaber – Por que há prejuízo?

Moreira – Porque sem o registro da propriedade, sem o georreferenciamento dessa área, não temos o Cadastro Ambiental Rural, o CAR. E sem o CAR não podemos atribuir a responsabilidade aos atos indevidos. Na Amazônia, onde estão os maiores problemas, o produtor só pode usar 20% da área. Os 80% restantes têm de ser preservados. Imagina como é para este produtor fiscalizar isso. Se ele tiver uma área de mil hectares, ele só pode plantar em 200 hectares. Como ele pode cuidar dos outros 800 hectares? Isso não é fácil de se fazer na Amazônia. Então, além da falta de titulação de terras, não há apoio para essas pessoas. Elas nem sequer conseguem acessar o crédito e não têm condições de se estruturar para plantar adequadamente. Com a regularização fundiária, sem sombra de dúvida, temos a oportunidade, com o georreferenciamento, de não apenas cuidar para que não haja incêndio ou desmatamento ilegal na Amazônia, como podemos atribuir a responsabilidade aos verdadeiros criminosos.

AgroSaber – O está por trás de tanto discurso equivocado e contrário à regularização das terras no País?

Moreira – Por trás desse discurso está o protecionismo de grandes mercados, o que é uma coisa natural. A França, por exemplo, que é uma grande fornecedora de alimentos para o Reino Unido se vê ameaçada pelo Brasil. Isso porque os custos de produção dela são elevados, ainda mais nesses tempos de pandemia. Ao mesmo tempo, o Brasil continua firme, com o fornecimento de produtos de alta qualidade e em grande volume. Nesse movimento, nós vamos acabar ocupando grande parte das prateleiras onde tinham mais produtos franceses. Então, eles vão se defender como podem. Vão colocar todos os defeitos no Brasil e vão dizer que nós estamos queimando Amazônia. Com esse discurso equivocado eles retardam o efeito competitivo do Brasil.

AgroSaber – Qual a estratégia para combater esse discurso equivocado?

Moreira – A melhor maneira de combate é o Brasil fazer o seu dever de casa muito bem feito. Não devemos permitir as queimadas e os desmatamentos criminosos. Para isso precisamos ter um processo de gerenciamento por georreferenciamento e ter força política para fiscalizar as terras do País. Não podemos deixar que manchem a imagem do agro brasileiro como irresponsável, predatório e antiambiental. Na verdade, o agricultor brasileiro é o único no mundo que preserva terra fértil. É claro que todos os demais países têm preservação de terras. Eles preservam terras sob o gelo ou preservam terras na rocha. Terra fértil e de ótima qualidade só quem preserva é o Brasil. E plantamos só em parte do território. Nós precisamos, de forma clara, fazer o controle de nossas terras. Dizendo para plantar onde é permitido plantar e punir quem faz a queimada ou desmatamento ilegal.

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AgroSaber – Entre as pautas que estavam em tramitação na Câmara dos Deputados, a que passou rapidamente foi sobre a ratificação do Brasil ao Protocolo de Nagoya. O que isso representa para o País?

Moreira – A ratificação representa que o Brasil confirma seu poder de decisão nas regras que deverão ser elaboradas. O Protocolo de Nagoya, estabelecido em Nagoya, no Japão, trata da repartição justa da genética vegetal e animal em todo o mundo. Essa relação deverá ser definida entre os países e levará em conta a legislação interna de cada um deles. O Brasil, por exemplo, tem um grande patrimônio genético e que foi domesticado com o passar dos anos. Sobre esse patrimônio genético modificado não poderá ser cobrada essa repartição. Mas o Brasil já paga, por exemplo, na avicultura, porque dependemos da genética externa para produção de frangos. Ainda é impossível trabalhar a avicultura brasileira sem isso.

AgroSaber – Então o Protocolo de Nagoya é positivo para o Brasil?

Moreira – Sim, é positivo porque o Brasil diz oficialmente que passa fazer passa a fazer parte disso. Caso contrário, poderíamos permitir que um grupo de países criasse uma legislação excluindo a posição brasileira. Então assinar e ratificar o Protocolo de Nagoya é ter direito a voz e voto nas reuniões. Muitas pessoas acreditam que esse tratado internacional colocaria o Brasil em risco. Mas é exatamente o contrário. Não ratificar seria o grande risco. Nós temos o maior patrimônio de biodiversidade do mundo que é a Amazônia. Se nós não estivéssemos no protocolo, amanhã ou depois, algum patrimônio genético do Brasil seria utilizado por outros países, como se dele fosse, e nós não poderíamos cobrar por esse uso indevido. Então, o Protocolo de Nagoya, sem sombra de dúvida, permite a nós debater as regras sobre o acesso dos recursos genéticos, garantindo a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da multiplicação desses recursos.

AgroSaber – Qual a avaliação do sistema de crédito atual aos produtores brasileiros?

Moreira – O agro tem um sistema financeiro ainda muito antigo e antiquado. Muito diferente do sistema de crédito que os demais setores econômicos têm hoje. Estou inclusive em reuniões com dirigentes e executivos da Federação Brasileira de Bancos, a Febraban, e advinha, eles também concordam que o sistema de crédito do agro é muito antigo. É preciso inovar e reduzir o risco da agro. Uma pessoa sai de casa sem um centavo no bolso e pode voltar para a casa com um carro novo. O que aconteceu? Aconteceu que para muitas pessoas o processo de crédito evoluiu. No entanto, essa mesma evolução ainda não chegou no agro.

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AgroSaber – A FPA está traçando melhorias para a evolução do crédito rural?

Moreira – Sim, estamos em conversas com a Febraban e com o Banco Central para modernizar o crédito ao produtor rural. A indicação dessas duas instituições é que estamos prontos para modificar o sistema financeiro de crédito para o agro. E podemos resolver rápido. A FPA vai discutir junto com a Febraban e com o Banco Central. Vamos reestruturar o sistema de crédito rural no Brasil talvez não para este ano safra, mas para o próximo é possível já termos uma cesta de soluções.

AgroSaber – A Lei do Agro aprovada este ano também veio para dinamizar o crédito aos produtores. Como está o seu início?

Moreira – Quando você se aprova uma lei como essa, você estabelece uma cesta de oportunidades, mas para isso acontecer tem de haver uma regulamentação do Banco Central. Isso está sendo feito agora. Mas esse movimento está no início e é preciso também mudar o hábito do produtor rural. Mas não tenho dúvida que isso será rápido, pois o produtor brasileiro foi capaz de fazer domínio genético, chegar na produtividade que está, foi capaz de colocar conectividade na sua propriedade e ter máquinas com tecnologia que jamais imaginou. Esse produtor certamente vai dominar as inovações nos serviços de crédito rural. É uma questão tempo. Dentro de um a dois anos, ele estará completamente inteirado nesse sistema.

AgroSaber – Outro projeto de importante é o de conectividade nas fazendas. Como o tema está no Congresso?

Moreira – O tema já foi aprovado na Câmara dos Deputados, e só está à espera da aprovação do Senado. Aliás, é uma boa pergunta para o senhor Davi Alcolumbre, presidente do Senado: o que que ele deseja fazer com isso? Porque sem conectividade vamos acabar perdendo competitividade de mercado. Todos os instrumentos que nós estamos comprando para as lavouras têm tecnologia embarcada. De que adianta ter tecnologia, se eu não tenho internet? O País tem R$ 24 bilhões do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e que pode ser ampliado para R$ 240 bilhões para fazer conectividade no interior do Brasil.

AgroSaber – Os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) poderão ser usados integralmente?

Moreira – Sim. Porque esses recursos inclusive nem eram mais utilizados. O Fust servia para implantar, instalar e consertar orelhões por todo o País. Estava parado. Quem hoje usa orelhão? O projeto é na realidade uma plataforma de relativa simplicidade, pois vai garantir a estruturação de como a internet se espalhará pelo campo, seja por satélite, seja por fibra ótica, seja por torres de transmissão de sinal. Isso beneficiará todos os produtores e inclusive quem estiver perto deles, como escolas e postos de saúde. Imagine que se nós tivéssemos conectividade no interior, a rede pública de ensino na zona rural poderia ter aulas à distância.

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AgroSaber – Qual a sua avaliação sobre o desempenho do agro durante essa pandemia?

Moreira – O Brasil foi o único país nessa pandemia que conseguiu entregar produtos alimentícios em todos os seus contratos. Isso resultou em 46 países que decidiram ampliar o portfólio de produtos comprados do Brasil e outros 28 países, que nunca compraram produtos do agro brasileiro, manifestarem o desejo de comprar. Então, nesse momento, nenhum país negocia se o Brasil não estiver na mesa negociando também. A segurança alimentar vai levar o Brasil a cada vez mercados pelo mundo. Mas é claro que o problema não está resolvido. Muitas cadeias do agro importantes foram prejudicadas e precisam de auxílio. Em especial os produtores de frutas, legumes e verduras. O negócio para esses produtores ficou ruim e para eles serem reincluídos na economia, precisam de crédito para não ficarem endividados.

AgroSaber – Como o senhor vê o futuro do agro brasileiro?

Moreira – Costumo dizer que quando falamos do agro, nós temos de olhar para o futuro. Então é preciso ter em mente que o essencial é alocarmos grandes investimentos em pesquisa, tecnologia e inovação. Nós estamos errados cada vez que o orçamento não transparecer isso, e não tivermos recursos para investir em desenvolvimento. Isso porque, na verdade, nós só estaríamos trabalhando para resolver o passado e sem preparar o Brasil para uma competitividade futura. A competitividade futura do agro brasileiro está na pesquisa, na tecnologia e na inovação.

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