Julgamento histórico pode retirar 800 famílias de suas terras

Julgamento histórico pode retirar 800 famílias de suas terras

Saiba por que o julgamento que decidirá pela ampliação ou não da demarcação de terras indígenas em Santa Catarina pode ser replicada para o todo o País, afetando todos os brasileiros

Francisco Jeremias, 60 anos, é morador do município de Vítor Meireles (SC). A pequena cidade de quase cinco mil moradores fica na porção nordeste do Estado, a cerca de 260 quilômetros da capital Florianópolis, e se mantém basicamente da agropecuária. Francisco nasceu na pequena propriedade herdada de seu pai. Nela hoje vivem 22 pessoas, considerando Francisco, sua esposa, filhos e netos. A maior produção é de leite, mas a família também cria suínos e aves, além de cultivar milho.

“A propriedade é tudo o que temos e se sairmos daqui não saberíamos o que fazer”, diz o produtor. A preocupação de ‘Seu Chico’, como é mais conhecido na região, é causada por um julgamento histórico que vai acontecer em Brasília, no Supremo Tribunal Federal (SFT). Marcado para o dia 25 de agosto, o julgamento decidirá pela ampliação ou não da demarcação de terras indígenas próximas a Vítor Meireles, relacionada à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãno, que sairia dos atuais 15 mil hectares para 37 mil hectares.

Se aprovada, não só grande parte dos moradores de Vítor Meireles, como Francisco, perderiam suas terras, mas também os habitantes de cidades vizinhas como José Boiteux, Doutor Pedrinho e Itaiópolis. “Só em Vítor Meireles, há 809 cadastros de produtores familiares”, diz Francisco.

“São cerca de 2,5 mil ou 3 mil pessoas que poderão perder suas casas e suas terras. Se vier a acontecer a ampliação da demarcação das terras indígenas, esse povo vai para onde? Para debaixo de uma ponte?”, questiona Tarcísio Boing, 65 anos, morador de Vítor Meireles e que vive na propriedade desde que nasceu. “Corremos o risco de perder tudo o que temos também”, diz Tarcísio.

Além disso, perde também o Estado de Santa Catarina, que reivindica a reintegração de posse de parte da área da Reserva Estadual do Sassafrás, que está sob os cuidados do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (Ima); e o governo federal, que perderia grande parte da Serra da Abelha, que faz parte do Bioma Mata Atlântica.

“Quando se fala em ampliação é uma muito triste pois, essa área indígena já foi demarcada desde 1926. São quase 100 anos que nossos avós e pais já viviam em harmonia com os índios. Tem proprietários com escrituras desde 1902. Eles não invadiram. Compramos as terras, investimos, estamos levando alimentos à mesa das pessoas. Isso os ministros do STF e do Ministério Público não veem”, diz Francisco.

Impacto nacional

Um outro agravante, nesse caso, é que o julgamento é classificado como de “repercussão geral”, significa que o que for decidido no próximo dia 25 de agosto em relação a Santa Catarina valerá para o resto do País. Isso pode promover uma série de processos ou pedidos de ampliação de demarcação de terras indígenas e até a criação de novas áreas indígenas por todo o território nacional, afetando todas as pessoas do País.

A tese que sustenta os títulos de propriedade no Brasil e as terras indígenas é a definição de um marco temporal, com a aprovação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Isso significa que só são consideradas terras indígenas as áreas ocupadas até essa data. Sem essa referência, na prática, qualquer área com indício de ter sido território indígena poderia ser reivindicada se a decisão for favorável ao aumento das terras Ibirama-Laklãno.

Audiência em Brasília

O processo de julgamento de ampliação das terras Ibirama-Laklãno é histórico e vem sendo desenrolado desde 2009. No início do ano passado, Francisco, que já foi vereador de Vítor Meireles, esteve numa audiência para tentar uma conciliação com os indígenas, juntamente com os ministros no STF, entre eles, Edson Fachin, relator do caso, além das ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber.

“Na época, o ministro Fachin disse que nunca tinha visto um caso tão complexo e ainda afirmou que não ia decidir nada sozinho”, relembra Francisco. Durante a audiência, o produtor reparou no Brasão da República fixado na parede do STF. “É o mesmo brasão que está no título de terra da minha família. Isso quer dizer que se eu perder minha terra, aquele símbolo não valia nada, e todas as pessoas com título de propriedade poderiam simplesmente rasgá-los também porque não valeria mais nada”, diz Francisco.

Jovens agricultores

Para Tarcísio, a medida ameaça inclusive o processo de manter a juventude, formada por seus filhos e netos, que poderiam ter mais chances econômicas ao continuar nas atividades rurais. Assim, como Francisco, Tarcísio, também produz leite e grãos como milho e soja, atividades que podem ser seguidas por seus dois filhos e quatro netos.

Tarcísio Boing, 65 anos, morador de Vítor Meireles (SC)

“Essa área é o que temos para o sustento da família. Tanto meus filhos quanto os filhos dos demais moradores da região gostariam de ficar na roça. O governo inclusive faz projetos para que a juventude continue na agricultura, mas, nesse caso, se a ampliação de terras indígenas for aprovada, a gente não sabe o que vai acontecer. Todas as propriedades são de agricultores familiares, com cerca de 15 a 20 hectares de terra e cerca de 80% da economia da região vem dessas áreas”, diz Tarcísio.

O AgroSaber continua com a missão de levar aos leitores informação de qualidade e os reflexos das decisões sobre ampliação e novas demarcações de terras indígenas no País.