“A Embrapa contribuiu para a redução de metade do preço da cesta básica”

“A Embrapa contribuiu para a redução de metade do preço da cesta básica”

Entrevista com Celso Moretti, presidente da Embrapa

Neste novo bate-papo das Páginas Verdes, a conversa é com o engenheiro agrônomo Celso Luiz Moretti, 53 anos, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Natural de Santo André (SP), o pesquisador reside em Brasília (DF), onde está a sede da Embrapa. Com 25 anos de carreira na estatal, começou no Laboratório de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Embrapa Hortaliças, em Brasília.

Ele chefiou esta unidade entre agosto de 2008 e março de 2013. Também atuou na sede da Embrapa como chefe do então Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento (DPD), de abril de 2013 a julho de 2017. De julho de 2017 a dezembro de 2019, Moretti, exercia interinamente a função da presidência até ser empossado efetivamente pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

Em suas mãos está a missão de tornar cada vez mais público e transparente o serviço da Embrapa à população brasileira. “A maioria das pessoas pode até não perceber, mas o órgão faz parte de suas vidas. Ela reduziu pela metade o custo da cesta básica”, diz Moretti.

Criada em 26 de abril de 1973, e vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Embrapa reúne sete unidades centrais e 43 unidades descentralizadas por todo o País e uma rede com mais de 2 mil pesquisadores constituindo a maior estatal de pesquisa do agro brasileiro.

A estatal reportou um lucro social de R$ 46,5 bilhões em 2019, um crescimento de 6,83% em comparação a 2018. O lucro social é um valor decorrente dos benefícios econômicos recebidos pelo setor produtivo com a adoção das soluções tecnológicas geradas pela Embrapa. O cálculo é feito a partir da soma dos lucros obtidos a partir da análise do impacto econômico de 160 soluções tecnológicas e 220 cultivares desenvolvidas pela estatal.

Isso significa que para cada R$ 1 investido, foram retornados à sociedade R$ 12,29 em tecnologias agropecuárias. Confira o que isso representou para o País e o que se pode esperar de inovações no campo.

AgroSaber – O que representa o balanço social da Embrapa em 2019?

Celso Luiz Moretti – O balanço social representa uma prestação de contas que a Embrapa faz todos os anos para a sociedade brasileira. Como uma empresa pública, vinculada ao Mapa e que recebe recursos do Tesouro Nacional há 23 anos, o órgão faz essa prestação de contas para mostrar para a sociedade brasileira o resultado de cada real aplicado. No ano de 2019, para cada real investido, nós devolvemos R$ 12,29 para a sociedade. Este é um dos três maiores retornos sociais já apresentados pela Embrapa nos últimos 20 anos.

AgroSaber – Qual a importância de avaliar este balanço social?

Moretti – A importância é para percebermos o grande impacto de longo prazo gerado pela pesquisa agropecuária desenvolvida pela Embrapa. Um desses impactos foi a redução do custo da cesta básica e o aumento da oferta sustentável de alimentos. De 1975 a 2019, ou seja, ao longo de 44 anos, o valor da cesta básica caiu 50%, tendo como base o município de São Paulo. Isso quer dizer que a Embrapa contribuiu para a redução de metade do preço da cesta básica. Uma grande ajuda sobretudo à população de baixa renda, poupando os ganhos desses trabalhadores com uma cesta básica cada vez mais barata.

AgroSaber – Quais tecnologias lideraram esse resultado?

Moretti – Entre as principais tecnologias que guiaram os resultados da Embrapa estão as pesquisas de manejo e correção do solo, de manejo agrossilvipastoril, um sistema de integração onde há presença de lavoura, pecuária e floresta numa mesma área, e de tecnologias de fertilizantes. Nas últimas décadas, os pesquisadores vêm aperfeiçoando a técnica a fixação biológica de nitrogênio no solo pela planta da soja. Essa técnica trouxe uma economia para o Brasil da ordem R$ 22 bilhões. Com a soja ocupando uma área de cerca de 35 milhões de hectares, os produtores economizam com a compra de adubos nitrogenados e isso torna mais competitiva a soja brasileira, pois a maior parte dos fertilizantes utilizados no Brasil é importada. Além dessa importante economia, essa técnica significa uma redução nos gases de efeito estufa.

CAMPO INTEGRADO – Lavouras dividindo o mesmo espaço com o gado e a floresta é uma realidade estimulada por pesquisas da Embrapa e que já soma 15 milhões de hectares nesse sistema

AgroSaber – Por quê?

Moretti – Porque a economia de fertilizantes nitrogenados contribui para a redução de gases de efeito estufa na atmosfera. Fizemos um cálculo que só com o uso da fixação biológica de nitrogênio, em 2019, foi poupada a emissão de cerca de 100 milhões de toneladas de gás carbônico. Outro destaque também interessante da contribuição da Embrapa é na área de produção animal. Geramos um conjunto de soluções que vai desde área de manejo de pastagens, passando pela sanidade e melhoramento genético dos rebanhos. Toda essa pesquisa rendeu um impacto econômico de R$ 8,3 bilhões. Hoje, 90% da área plantada por pastagens vieram de sementes melhoradas aqui na Embrapa.

AgroSaber – Quais outras tecnologias merecem destaque?

Moretti – É válido mencionar também dois alimentos que estão aí na mesa dos brasileiros todos os dias: o arroz e o feijão. Ano passado, metade da área de feijão no Brasil foi plantada com materiais desenvolvidos pela Embrapa. Quando você pensa no arroz de sequeiro (não irrigado), 1/3 dessa produção leva também nossos materiais. Eu costumo dizer que a Embrapa está presente no café da manhã, no almoço e no jantar de todos os brasileiros. Porque ela está no leite, no pão, na carne, nas hortaliças, nas frutas e no arroz e feijão. A Embrapa está inclusive na roupa. Um trabalho que nós temos feito em parceria com a Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa) e que possibilitou que o País seja um dos maiores produtores e exportadores de algodão do mundo.

AgroSaber – Como está o panorama da pesquisa agropecuária no Brasil?

Moretti – O que o Brasil fez ao longo dessas últimas cinco décadas não têm paralelo em nenhum outro lugar no mundo. A pesquisa da Embrapa transformou um país que era importador de alimento para ser um dos maiores produtores e exportadores de alimentos. Só fizemos isso porque nós investimos de forma consistente em pesquisa agropecuária. Este foi um trabalho em conjunto com universidades, a iniciativa privada e organizações de pesquisa agropecuárias estaduais como o centenário Instituto Agronômico de Campinas (IAC), de São Paulo.

AgroSaber – A Embrapa não parou mesmo com a Covid-19?

Moretti – Não paramos mesmo neste momento tão difícil. Seguimos adiante com os nossos trabalhos, pesquisas e experimentos. A Embrapa tem um papel central no desenvolvimento da agricultura brasileira. Acredito realmente que o agro vai ser o motor da retomada econômica do Brasil pós-pandemia. A economia vai precisar do agro e o agro vai precisar da Embrapa.

FOCO NA PESQUISA – A Embrapa não mediu esforços para continuar desempenhando seu papel mesmo durante a pandemia

AgroSaber – O que representa o compromisso de a Embrapa ter continuado seu trabalho?

Moretti – Representa, acima de tudo, a manutenção da paz social. Alimento é sinônimo de paz social. Imagine se não tivéssemos produção de alimentos em plena pandemia? Vemos no noticiário o que acontece em outros lugares do mundo quando falta alimento à população. As pessoas que moram nas cidades às vezes não têm noção da importância do trabalho que é desenvolvido pelo produtor rural. Então, todos nós da cidade deveríamos agradecer a cada dia o trabalho que os produtores fazem no campo.

AgroSaber – Quais as principais promessas de pesquisa da Embrapa para este ano?

Moretti – Estipulamos avançar em quatro grandes áreas em 2020. A primeira é a área da agricultura digital, com o uso de drones, sensores, internet das coisas e visão computacional no agro. Nós entendemos que a pesquisa vai dar um novo salto na produção de fibras naturais, alimentos e bioenergia a partir da agricultura digital. A segunda aposta é em pesquisas que envolvam a chamada bioeconomia, que é a economia de base biológica, como os fertilizantes e pesticidas biológicos. A terceira aposta é o que a gente chama da edição genômica o que é uso das tesouras biológicas (bactérias) para editar o genoma de plantas e de animais ao invés de usarmos a estratégia da transgenia.

AgroSaber – Quais os grandes estudos nessa área de edição genômica?

Moretti – Hoje temos dois grandes projetos, um com a soja e o outro com o feijão. Na soja estamos buscando a tolerância a nematoides que é uma espécie de verme do solo que ataca as raízes da planta. Ainda na soja, estamos buscando obter plantas mais tolerantes à seca. O outro projeto com feijão é reduzir do escurecimento que ocorre na parte superficial do grão após o seu processo de beneficiamento.

AgroSaber – Qual a quarta aposta?

Moretti – A quarta aposta é seguir trabalhando de forma intensa com sistemas integrados, sobretudo na integração lavoura-pecuária-floresta. É um sistema que a Embrapa vem trabalhando ao longo dos últimos 30 anos e que nasceu com o objetivo de recuperar as áreas de pastagens degradadas. O Brasil tem algo em torno de 55 milhões de hectares de pastagem degradada. Nossos pesquisadores estão estudando formas para reverter isso integrando diferentes sistemas. Hoje, no Brasil, existem cerca de 15 milhões de hectares dentro desses sistemas integrados.

AgroSaber – Outra aposta inclusive é levar a marca da Embrapa ao consumidor final. Como está este trabalho?

Moretti – Exatamente. A Embrapa quer cada vez mais promover sua marca para o público urbano e estar visualmente presente nas gôndolas dos supermercados. É uma forma inteligente de aproximarmos o campo e a cidade. Quando o consumidor compra um tomate, por exemplo, pode até não saber, mas esse alimento, até chegar ao supermercado, teve um dedo da Embrapa. Isso acontece com todos os demais alimentos e produtos agrícolas. O exemplo mais recente é da uva Vitória. Ela é uma uva de mesa, roxa, sem semente e muito doce. Foi produzida pela Embrapa. Na época de seu lançamento comercial, não garantimos que a marca fosse parar nas embalagens. Foi um erro estratégico e que não queremos que aconteça mais.

CAMPO DIGITAL – Entre as apostas de pesquisas para este ano estão estudo com drones e demais ferramentas da agricultura digital para garantir mais um novo salto na produção agrícola brasileira

AgroSaber – Qual produto estreou a marca da Embrapa?

Moretti – Foi uma marca de ovos. O próximo produto será a carne que vem de um manejo especial: a “carne carbono neutro”. Trata-se de um projeto da Embrapa com parceria com a Marfrig. O sistema de produção de bovinos no qual foram comprovados o sequestro total dos gases de efeito estufa dos animais. Os gases são neutralizados pelo componente florestal e pela lavoura, o sistema de integração lavoura, pecuária e floresta. Vamos seguir adiante com projetos como esse e investir muito em comunicação também. Queremos tornar mais clara a mensagem de que, apesar de o consumidor não saber, a Embrapa está presente em sua vida. Ela está bem próxima, no seu prato, da sua roupa e do seu biocombustível.

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