“Acredito que nós mulheres podemos realmente transformar o campo”

“Acredito que nós mulheres podemos realmente transformar o campo”

Entrevista com Patrícia Matarazzo, produtora rural que atualmente desenvolve um grande projeto de Educação Ambiental para estudantes no município de Bebedouro (SP)

O AgroSaber continua a homenagem às Mulheres do Agro, neste mês de março, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. Dessa vez, apresentamos a história da produtora paulista, Patrícia Matarazzo, 53 anos, que há 30 anos, trocou a carreira na área da Psicologia e a vida urbana em São Paulo para se dedicar à produção rural.

À frente da propriedade da família, no município de Bebedouro (SP), Patrícia é produtora de cana-de-açúcar e laranja numa área de cerca de 300 hectares.

Ao aprender a lidar com as plantações, a produtora tornou-se uma das grandes referências na região em sustentabilidade no campo, com uma produção certificada internacionalmente. Mas sua maior realização é na área de educação ambiental para crianças da rede de Ensino da cidade de Bebedouro e região através do plantio de árvores em sua propriedade e pelo município. Confira a entrevista.

AgroSaber – O que te levou a desenvolver esse projeto?

Patrícia Matarazzo – Sempre tive muito apreço à questão ambiental e foi um sentimento que aprendi a ter com minha família. Meu pai sempre adorou bichos, e desde que comprou a fazenda, ele proibia caçadas. Mas foi no ano de 2000, quando tive mais contato com esse lado ambiental, ao fazer um plantio de árvores para mostrar a crianças. Gostei tanto da ideia que criei um viveiro de plantas nativas da Mata Atlântica na fazenda. Em 2005, perdi minha filha de 2 anos e 4 meses de vida, a Chiara. O que me salvou foi eu ter sonhado com o viveiro após essa tragédia. Foi me dedicando a plantar mudas e cuidar dessas plantas que superei a minha dor. Hoje tenho uma estufa com dez mil mudas e um planejamento de trabalhos educacionais com as crianças das escolas da região, através do Projeto Chiara.

AgroSaber – Como funciona esse projeto?

Matarazzo – Pelo projeto, recebemos crianças da rede de ensino da região para ensinar a elas sobre as plantas e os cuidados que temos de ter com elas. São feitos plantios e cada criança planta sua própria árvore. Também falamos sobre reciclagem de lixo, oficina de livros e doações gratuitas de mudas. Já temos cerca de 80 espécies diferentes no viveiro. Com o projeto já reflorestamos uma área de 24 hectares. Tivemos uma grande ajuda da Embrapa e da ONG SOS Mata Atlântica.

AgroSaber – O que o poder feminino pode trazer ao campo?

Matarazzo – Na realidade não gosto da expressão ‘empoderamento feminino’, mas acredito que nós mulheres podemos realmente transformar o campo. A mulher tem mais aflorada a habilidade de proteção, o que torna mais rápido aliar meio ambiente e a produção no campo.

AgroSaber – Quais outras transformações você vem fazendo na sua propriedade?

Matarazzo – Para se ter uma ideia eu me considero uma ‘ecochata’, gosto de produzir no campo, mas com todo respeito ao meio ambiente. Se não protegermos o meio ambiente, como poderemos, por exemplo, tomar água no futuro? Estou tão ligada nessas questões que sou uma das que mais tem adotado o uso de defensivos biológicos. Sei que agora não dá para ser 100% nessa linha, mas no futuro, quero adotar somente tecnologias biológicas nas plantações.

AgroSaber – Como foi para você aprender a lidar com o dia a dia de uma propriedade rural?

Matarazzo – Para mim foram muitos anos de aprendizado. Tive de trocar minha carreira e a cidade, porque era apenas meu pai que tocava a atividade. Como a filha mais velha da família, resolvi fazer essa mudança na minha vida e passei a trabalhar junto com ele. Em 2003, quando ele faleceu, tive de tomar as rédeas da fazenda.

AgroSaber – Você sente algum tipo de resistência por ser mulher?

Matarazzo – Não. Na minha opinião, o campo não é machista. Para mim, nunca houve algo que me impediu de me estabelecer nessa atividade por ser mulher. Só bastou mesmo a minha vontade de tentar, acreditar e seguir em frente. O machismo pode até existir, se a mulher se submete a ele.

AgroSaber – Quais as características que você percebe no trabalho de uma mulher no campo?

Matarazzo – Entre as principais características do trabalho feito por uma mulher são o cuidado e a atenção aos detalhes em cada operação. No entanto, não vejo como uma forma de distinção de entre os gêneros, mas sim de complementariedade.

AgroSaber – O que falta para a mulher ganhar mais espaço no ambiente rural?

Matarazzo – Para mim acho que só falta mesmo a força de vontade de cada uma. Para se ter uma ideia, não tenho mulher entre os funcionários da fazenda. Apesar de ter tarefas mais duras, alguns postos encaixam o trabalho feminino. No ano passado, por exemplo, abri uma vaga de tratorista. A vaga era de preferência para uma mulher. Infelizmente não apareceu nenhuma candidata.

AgroSaber – A presença de mulheres à frente de negócios é comum na região de Bebedouro?

Matarazzo – Infelizmente não vejo tanta mulher no comando de propriedades. Mas acho que isso muda se nós mães e mulheres começarmos a nos incentivar e trazer nossas filhas para a fazenda. Isso fará essas meninas a amarem o campo. Essa é uma dica que eu dou a essas mulheres do campo: incentive suas filhas a amarem seu negócio.

E aí, gostou dessa história? Semana que vem conheça a história de outra mulher de fibra do agro brasileiro. Compartilhe-a em suas redes sociais. Siga também o AgroSaber nas redes sociais! (os links estão logo aí abaixo).