“Não me sinto uma heroína, apenas tomei uma atitude numa hora de grande desespero”

“Não me sinto uma heroína, apenas tomei uma atitude numa hora de grande desespero”

Entrevista com Simone Silotti, produtora rural paulista e criadora do projeto #FaçaumBemINCRÍVEL que busca ajudar agricultores e moradores de baixa renda com a doação de alimentos

Pandemia de Covid-19, escalada diária de contágio e mortes pelo País e mundo, paralização de muitos setores econômicos e algumas toneladas de alimentos que tinham um destino certo: o lixo. Este era (e ainda é) o enredo de muitos produtores de hortaliças pelo Brasil.

Por causa do fechamento de hotéis, bares e restaurantes imposto pelo isolamento social e medidas restritivas de circulação de pessoas pela cidade, muitos agricultores perderam grande parte de sua clientela. Essa foi a dura realidade que estava a frente de Simone Silotti, 54 anos, produtora rural e dona do sítio Quintal da Coruja, em Quatinga, um distrito rural do município de Mogi das Cruzes.

Foi graças ao seu empenho que nenhum alimento foi jogado fora. Junto com outros produtores da região, ela coordenou um programa de doações de alimentos, iniciado em abril de 2020 – era o pontapé inicial do projeto #FaçaumBemINCRÍVEL. Em contrapartida, para amenizar os prejuízos, a produtora criou uma vaquinha on-line voltada a cobrir minimamente os custos de produção dos agricultures, bem como os custos de logística das doações para entidades assistenciais e comunidades carentes de São Paulo.

De lá pra cá, foram doadas 174,5 toneladas de frutas, verduras e legumes para cerca de 600 mil pessoas, moradores da região metropolitana de São Paulo e de mais 13 municípios paulistas, como Cubatão e Campinas. Por seu feito, Silotti foi um dos 10 ganhadores do prêmio Empreendedor Social de 2020, realizado pelo jornal a Folha de S.P. desde 2005, em parceria com a Fundação Schwab.

AgroSaber – Pesou o fato de você ser mulher para ter coordenado essa grandiosa iniciativa?

Simone Silotti – Uma boa pergunta, mas acho que não. Não acredito nessa distinção de gêneros e muito menos nessa máxima de empoderamento feminino. Para desenvolver o projeto #FaçaumBemINCRÍVEL, eu tive homens incríveis ao meu lado, que abraçaram a causa e deram um grande apoio. No papel de liderança do projeto, eu não me sinto uma heroína, apenas tomei uma atitude numa hora de grande desespero. Acho que pesou mais o meu sentimento como mãe. Estávamos diante e um grande prejuízo e inúmeras famílias passando fome por causa da pandemia. Acho que foi esse sentimento de proteção materna que me fez iniciar esse trabalho.

AgroSaber – Por que você não concorda com o empoderamento feminino?

Silotti – Não concordo porque simplesmente não gosto dessa expressão, pois a participação feminina sempre existiu. Eu prefiro dizer que, nas últimas décadas, a mulher, seja no campo como na cidade, está florindo e embelezando cada vez mais os espaços. Reconhecer que só agora temos mais participação e voz, seria como esquecer das mulheres que vieram antes, como as mulheres de minha família, como minhas avós, minha mãe e minhas tias. Todas elas brilharam, floriram e eu reconheço o valor de cada uma. Esse papel delas só não teve a atenção e reconhecimento devido, mas estava ali, sempre presente.

AgroSaber – Quais características você considera essenciais (vinda) e que vêm desse florescimento feminino?

Silotti – Eu considero importantíssimo a sensibilidade, o poder de gestão e foco. Era uma coisa que via claramente no papel de minha avó e minha mãe. São exemplos de grandes gestoras para mim. Além de cuidarem da casa, estavam na lida no campo, também. Por isso é importante reconhecer o papel dessas grandes mulheres.

AgroSaber – O que mudou para você a premiação por teu trabalho?

Silotti – Passei a ter uma visibilidade incrível, pois esse reconhecimento não é sobre os projetos em si, mas sobre as pessoas. Isso significa que, independente da iniciativa ou ação, será sempre necessário o envolvimento de um empreendedor social. E foi partir desse reconhecimento que estou mais envolvida e interessada em desenvolver mais ações sociais do que de cuidar de meu próprio negócio que, reconheço, ser igualmente importante. Sinto que agora tenho realmente voz. É algo tão novo que que nem sabia como era falar e ser ouvida. Está sendo um grande aprendizado e quero poder ajudar mais pessoas a partir de agora.

AgroSaber – Que tipo de visibilidade você passou a ter?

Silotti – Fui indicada e eleita para fazer parte do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional para a Região Metropolitana do Estado de São Paulo (Consea/RMSP), onde passei a enxergar mais possibilidades para contribuir para a população de baixa renda.

AgroSaber – Que iniciativas você tem pensado?

Silotti – Estou desenvolvendo uma série de estudos sobre o desperdício e melhor aproveitamento dos alimentos colhidos no campo e a importância do apoio aos pequenos agricultores. Quero inclusive me especializar na elaboração de projetos e poder transmitir com mais clareza que, de agora em diante, a produção de alimentos, com sustentabilidade dependerá disso para garantir a segurança alimentar. Por exemplo, para se atingir os resultados previstos para a agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que visa a erradicação da pobreza e a promoção do desenvolvimento econômico, social e ambiental em escala global, é impreterível apoiar, agora, a agricultura de pequeno porte. É exatamente isso que estou tentando explicar a empresários, a partir da projeção que consegui com o projeto de doações.

AgroSaber – O projeto #FaçaUmBemINCRÍVEL continua?

Silotti – Sim, ele continua, pois a pandemia ainda continua, as vendas dos produtores continuam instáveis, frente aos ajustes das fases da quarentena, e a renda das famílias está cada vez mais baixa. Apesar de termos arrecadado, um pouco mais de R$ 1 milhão, ainda somamos cerca de R$ 60 mil em dívidas desde o início do projeto, em abril do ano passado. Por isso continuamos a pedir ajuda a quem puder.

Para ajudar, acesse este link da 👉 vaquinha virtual. Na página há também do contato de Simone para outras informações. E aí, gostou dessa história? Semana que vem conheça a história de outra mulher de fibra do agro brasileiro. Compartilhe-a em suas redes sociais. Siga também o AgroSaber nas redes sociais! (os links estão logo aí abaixo).