“No campo, a mulher dá mais atenção à questão social e do bem-estar animal”

“No campo, a mulher dá mais atenção à questão social e do bem-estar animal”

Entrevista com a pecuarista Carmen Perez. Ela trocou a vida turbulenta de São Paulo para dar um grandioso exemplo de boas práticas na criação de bovinos no País

Até antes de seus 22 anos, a pecuarista Carmen Perez vivia uma vida plenamente urbana, na capital São Paulo. Segundo ela, não estava muito atrás de estudos e muito menos de uma carreira. “Devo confessar, acho que eu dava muito trabalho para minha mãe”, diz Perez.

Ao pisar pela primeira vez numa fazenda de gado, comprada na década de 1980 por seu avô materno, Manuel Vasconcelos Martins, no interior de Mato Grosso, precisamente no município de Barra do Garças, a 1,3 mil quilômetros da capital paulista, ela disse a si mesma: “Como eu pertenço a esse lugar. Aqui é o meu mundo”.

A interação com aquele ambiente mudou sua vida por completo. A jovem que nem pensava na carreira que ia seguir, descobriu uma profissão. Hoje, aos 42 anos, Carmen tornou-se uma pecuarista que está à frente de um sistema de criação que promove cada vez mais práticas de bem-estar animal. Para isso, conta com apoio do pesquisador do País nessa área, o zootecnista Mateus José Rodrigues Paranhos da Costa, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp, em Jaboticabal (SP), pós-doutorado na universidade de Cambridge, na Inglaterra, e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal (Grupo Etco).

Confira a entrevista de Carmen que encerra a série de entrevistas das Mulheres do Agro, em homenagem ao mês do Dia Internacional da Mulher.

AgroSaber – Quando começou sua paixão pelo agro?

Carmen Perez – Começou quando ia de férias passear na fazenda de meu avô. Eu adorava, sempre fui apaixonada. Aos 22 anos eu pedi ao meu tio uma chance para trabalhar lá. Ele ia começar a tocar os trabalhos por lá. Naquele momento, me mudei para a fazenda, passei 30 dias por lá. E só pensava em uma coisa repetidamente: tenho de me a tornar indispensável, eu falava para mim mesma. Era curiosa, comecei a aprender tudo o que se fazia na propriedade, vendo o trabalho dos vaqueiros, conversando com consultores e médicos veterinários, e aprendendo até a lidar com a parte de gestão da fazenda. Lembro até que fazia inúmeras planilhas de computador e acordava às 4h30 para acompanhar a movimentação de rebanho. Em São Paulo, nunca imaginaria acordar nesse horário (rs)!

AgroSaber – Por ser ainda jovem e mulher, você sentiu algum tipo de resistência?

Perez – Acredito que não, acho que desde o início foi um processo no qual eu me coloquei à prova. Mostrei disposição para o que eu queria fazer. Isso me fez adquirir o conhecimento de todas as tarefas da fazenda e me fez conquistar meu espaço, inclusive, até perante a minha família.

AgroSaber – A fazenda que possui hoje é a mesma do seu avô?

Perez – Na realidade é parte daquela fazenda. Quando ele ficou e faleceu, em 2003, lembro de minha mãe discutir com o meu tio sobre a venda. Insisti muito para que ela ficasse com a parte da propriedade que lhe cabia na herança. E foi o que aconteceu. A partir de 2005, nascia a Orvalho das Flores, nome ideal por ser comandada por mulheres, como eu e minha mãe. Naquele momento passei a estruturar a fazenda nos conceitos que mais acreditava e que acredito até hoje: uma produção de melhores práticas com os animais, respeitando, sem sustos e nem gritaria no curral. Foi um aprendizado para todos os funcionários da fazenda.

AgroSaber – Como foi esse processo?

Perez – Foi como um passo de cada vez. Lembro como me impressionava a gritaria de peões e dos animais durante o manejo. Era uma verdadeira loucura. Sempre pensei se não haveria um modo diferente de manejar com o gado. Em 2006, visitei uma fazenda em São Miguel do Araguaia, em Goiás, que tinha um manejo impressionante. Era bastante calmo e tranquilo. Fiquei encantada como eles lidavam com o bezerro e as vacas. Na hora, pensei: se eles são capazes de fazer isso, também vou ser capaz.

AgroSaber – Você acredita que o fato de ser mulher ajudou nessa transformação do manejo com o gado na sua propriedade?

Perez – Eu acredito que sim, pois naturalmente nós mulheres temos esse senso de proteção por conta do instinto materno, por conta de nossa sensibilidade. A mulher tem uma preocupação diferente no campo, com mais atenção à questão social e do bem-estar.

AgroSaber – Você também ajudou a fundar o Núcleo Feminino do Agronegócio (NFA). Como está sua participação atualmente?

PerezJá cheguei a presidir o núcleo, que se tornou a primeira associação de mulheres do agronegócio do brasileiro. Criado em 2010, o grupo foi o primeiro a reunir produtoras rurais e ter projeção nacional. Conta atualmente com 30 mulheres associadas. Estou no conselho e sou bem atuante. A ideia do NFA é compartilhar conhecimento sobre as práticas e gestão no campo. Sempre tentamos nos reunir. Nesse ano, por causa da pandemia, os encontros são virtuais. Abordamos novas práticas de produção no campo, como produzir mais em menor área, técnicas de gestão e, principalmente, de boas práticas do campo, com mais inclusão social.

AgroSaber – Como é sua percepção sobre a abertura e oportunidades para a mulher no agro?

Perez – Eu sinto que o agro, sim, está mais aberto. E vejo mais a presença feminina no campo, pois há tantas mulheres nas salas de aula, em faculdades e cursos técnicos. E por isso as fazendas passaram até a se readequar para receber essas mulheres. Isso é uma grande conquista para nós. Mas não vejo, uma disputa de gêneros. Vejo homens e mulheres, com uma forma distinta de ver as situações e com raciocínios diferentes, mas que, no final, se completam. Mas é muito bom ter cada vez essa visão feminina fazendo parte da realidade do agro.

E aí, gostou dessa história? Compartilhe-a em suas redes sociais. O AgroSaber dedica essa homenagem a todas as mulheres do campo: funcionárias no escritório ou na lida direta nas operações de agricultura e pecuária, fazendeiras, técnicas e especialistas agropecuárias, e cientistas. Aqui fica nossa salva de palmas para elas que tem feito toda a diferença na produção nacional e dando mais suporte às transformações sociais e de sustentabilidade no agro. Siga também o AgroSaber nas redes sociais! (os links estão logo aí abaixo).